sexta-feira, 14 de junho de 2013

A MORTE DE VIDELA, A DITA BRANDA E A COMISSÃO DA VERDADE

Jorge Rafael Videla, ditador argentino, foi encontrado morto no último dia 17 de maio, o referido indivíduo faleceu em sua cela, pois, estava preso, condenado à prisão perpétua e destituído de sua patente militar. Entre 1976 e 1981, Videla comandou o regime, que perdurou até 1983, ao qual se referia como “Reorganización Nacional”, mas que para muitos é conhecido como “Guerra Suja”, onde mais de 30 mil pessoas “desapareceram”. Videla nunca se arrependeu dos seus atos, mas foi julgado e condenado, pois, na Argentina, as mobilizações para punir os crimes cometidos pela ditadura se iniciaram já em 1983 e, desde então, foram condenados mais de 200 militares e civis envolvidos em situações como os “voos da morte” ou o sequestro de crianças.
Diante do fato, percebe-se a dimensão traumática que o regime de exceção teve e tem na sociedade argentina, bem como suas implicações. Partindo daí, é interessante refletir sobre as consequências das ditaduras na América Latina e sobre o modo através do qual as sociedades afetadas por elas tratam a sua memória relativa ao tema. No Brasil, há quem diga que o regime de 21 anos (1964-1985) foi uma “ditabranda”. Maldade, inocência, ignorância ou um misto dos três, nunca se sabe qual a verdadeira intenção por trás de uma declaração tão infeliz, o que se sabe é que ela demonstra, em certa medida, o modo como nossa sociedade encara a ditadura brasileira. Aqui, a memória sobre os anos de chumbo parece ser turva, obscura e, ao mesmo tempo, suavizada através de muitas ações e discursos.
Abertura, Lei de Anistia, transição democrática, Diretas Já e uma Constituição forjada pelos herdeiros de uma cultura política baseada na violência e na garantia de monopólios econômicos, midiáticos e jurídicos. Estes são alguns dos processos que caracterizaram os anos subseqüentes ao período negro do regime ditatorial brasileiro que, para fechar praticamente uma década, pode ser delimitado entre 1968 (AI-5) e 1979 (início do governo Figueiredo). Atentando para este processo, percebe-se que a “ditabranda” não foi concebida como tal, mas, ao longo dos anos, foi um quadro assim emoldurado por Estado e sociedade durante um processo de transições extremamente traumático nos sentidos político, jurídico e econômico.
Quase 50 anos depois do golpe de 1964 no Brasil, chocam-nos os depoimentos na Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012 para revolver a memória do país entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. A Comissão não tem poderes para julgar e não vai condenar nenhum torturador, entretanto, ela pode e deve servir para trazer à baila algumas nuances do processo de “abrandamento” da nossa pesada ditadura e revelar o quão traumático e nocivo foi o regime de exceção no Brasil. Deve servir também para que, daqui a algum tempo, os restos mortais de vis torturadores sejam rejeitados pela população de sua cidade natal no momento do seu enterro, a exemplo dos protestos que ocorreram em Mercedes, cidade natal de Videla. Deve servir para que não mais ergamos monumentos ou nomeemos ruas em homenagem a pessoas que jamais conseguiram ultrapassar o limite do sadismo, torturando e matando sob a tutela do Estado. 

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